O Cineclube Edith Cultura retomou as atividades na última quarta-feira, 30 de maio. A sessão aconteceu na sede da ASES e o público compareceu em peso para prestigiar a nova parceria.
Além da exibição de "Tudo sobre minha mãe", de Pedro Almodóvar, houve, ainda, um bate papo com o professor, filósofo e artista plástico Mathias e Abreu Lima Filho, que falou um pouco sobre o filme e diretor.
Foto de Quique Brown |
Para quem participou da sessão e também para quem viu o filme em outra ocasião, Mathias preparou o pequeno texto a seguir, a fim de ajudar a compreender melhor a obra de Almodóvar.
TUDO SOBRE MINHA MÃE
1999 – Direção: Pedro Almodóvar Trilha
sonora: Alberto Iglesias
Personagens:
Esteban (Eloy Azarí)
Manuela (Cecilia Roth) Huma
Rojo (Marisa Paredes)
Agrado
(Antonia San Juan) Irmã Rosa
(Penélope Cruz) Nina
(Candela Peña) Lola
(Toni Cantó)
Prêmios: Oscar
- filme estrangeiro – 2.000 Globo de Ouro
- filme estrangeiro – 2.000
Cannes – Palma de Ouro
– melhor diretor Cesar –
França – melhor filme estrangeiro
Goya –
Espanha - 7 categorias (melhor filme e melhor direção)
“Este é o meu filme mais comovente e
feminino. Os estrategistas militares são homens, os grandes
estrategistas da vida cotidiana são as mulheres.” (Folha
09/10/1999)
Cena de "Tudo sobre minha mãe" |
TUDO SOBRE MINHA MÃE é uma obra
rica e complexa, de interpretação inesgotável. O autor transforma histórias
particulares bizarras, com personagens incomuns, numa sensível obra
de arte. Trabalha o drama intimo de personagens que nos surgem
aparentemente caóticos, mas nada é gratuito e tudo é colocado em
seu mais perfeito lugar. Há beleza por toda parte. São dramas individuais paralelos,
em que ele costura as pontas que os prendem ao fio da história, por
vezes quase absurda, mas nunca artificial.
Possui a qualidade de harmonizar
os dramas, tornando o incomum natural, o obscuro claro, sempre
através de uma poesia visual humanizada. Não vemos heróis ou
vilões, mas pessoas reais que erram e acertam em suas vidas.
Caricaturas às vezes hostis que se transformam em pura integridade. Em oposição à tolerância,
Almodóvar propõe a naturalidade. A tolerância mantém ainda um
elemento moral de aceitação (com algum preconceito embutido), mas a
naturalidade é toda a positividade do ser humano. Talvez a sua maior
qualidade como artista seja a de ser, no fundo, um grande humanizador
de personagens.
Foto de Quique Brown |
Alguns críticos classificam sua obra como Pós-moderna mas, embora utilize a metalinguística como neste filme, preocupa-se na verdade principalmente com a função emotiva. Há trechos de “Tudo sobre minha mãe” que remetem ao filme “A Malvada” (All about Eve – 1950) de J. Mankiewcz, com Bette Davis e Anne Baxter, que ganhou 6 das suas 14 indicações ao Oscar. Vem daí o título do filme/livro comentado por Esteban com sua mãe.
Faz referência também ao livro
“Música para Camaleões” (Music for
Chamelions – 1980) de Truman Capote, o
presente de aniversário da mãe para Esteban. E principalmente, utiliza trechos
e faz um diálogo com a peça de Tennessee Willians de 1950, “Um
Bonde chamado Desejo” (A Streetcar Named
Desire), onde a personagem Huma Rojo
representa outra personagem, Blanche Dubois. Uma é “blanche” e
a outra é “rojo”.
Foto de Quique Brown |
No final do filme, Almodovar
oferece-o: - ““A todas as atrizes que
interpretam atrizes, às mulheres que interpretam, aos homens que
interpretam e se convertem em mulheres, a todas as pessoas que querem
ser mães. À minha mãe.”
Os comportamentos dos personagens
parecem ser vistos pela lógica de uma mãe – uma lógica que
permite tudo, de aceitação irrestrita. Podemos afirmar que esta é
também a lógica de seu olhar. Uma lógica diferente da masculina,
absolutamente não-cartesiana, que equaciona com flexibilidade e
carinho as questões de vida dos personagens.
Certamente alguns de seus temas
são ainda delicados como: identidade sexual, AIDS, travestismo,
religião, liberdade existencial, palavrões crus, etc.. e podem não
agradar aos mais conservadores. Critica o puritanismo e a hipocrisia
da sociedade, por vezes, com obscenidades agressivas, tratando-as com
uma naturalidade quase ingênua.
As suas imagens poéticas com
cenários e figuras coloridas, bem como suas canções e arranjos
magistrais, por vezes velam perversões que podem conduzir à morte
ou à destrutividade, mas que podem também levar ao
auto-conhecimento e à emancipação.
Almodóvar nos indica assim
através de sua obra, com um conselho quase maternal, que em vez da
paralisia insana e destrutiva, um desdobramento autêntico e saudável
para a realização do próprio destino, pode ser uma via para a
própria salvação.
Mathias
de Abreu Lima Filho
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