Por André La Salvia
Diante do tema das 'memórias vivas' somos instigados a pensar: quais são as relações entre a memória e a vida? Podemos desdobrar um pouco mais, trazendo para esta questão perguntas filosóficas sobre o tempo, sobre o conhecimento e também sobre ética e cidadania.
Para começar,
podemos juntar a esta pergunta o trabalho do filósofo francês Henri Bergson,
para quem a memória necessariamente envolve a questão do tempo e do
conhecimento. Para o filósofo, o tempo não pode ser entendido como a sucessão
de instantes, como se um momento substituísse outro momento em uma linha
evolutiva/progressiva passado-presente-futuro. Senão estaríamos sempre apenas
no presente (o passado como um presente que passou e o futuro como um presente
por vir). Para ele nosso passado se conserva inteiro, cresce incessantemente e
existe ao mesmo tempo que o presente. E mais, em nossa memória todos os
acontecimentos passados coexistem, nossa memória não é cronológica, mas guarda
tudo junto.
Para começar,
podemos juntar a esta pergunta o trabalho do filósofo francês Henri Bergson,
para quem a memória necessariamente envolve a questão do tempo e do
conhecimento. Para o filósofo, o tempo não pode ser entendido como a sucessão
de instantes, como se um momento substituísse outro momento em uma linha
evolutiva/progressiva passado-presente-futuro. Senão estaríamos sempre apenas
no presente (o passado como um presente que passou e o futuro como um presente
por vir). Para ele nosso passado se conserva inteiro, cresce incessantemente e
existe ao mesmo tempo que o presente. E mais, em nossa memória todos os
acontecimentos passados coexistem, nossa memória não é cronológica, mas guarda
tudo junto.
Qual a relação
do passado com o presente? Nossas memórias se debruçam sobre cada presente tudo
de uma vez. É a percepção de um dado presente que nos estimula a acessar uma
parte deste passado em geral. Em cada
presente, toda nossa memória está em vias de se atualizar, são os momentos presentes
que estimulam uma região ou outra do passado possibilitando o acesso a
determinada lembrança e não outra. A memória não é um sistema de classificação
e registro do que se passou, mas o arcabouço de onde tiramos relações com o
presente que estamos vivendo. A memória é 'viva' porque ela insiste
virtualmente em nosso presente, não somente porque ela está em nós, mas porque
ela cria elos com a decifração/interação com o presente. Como o exemplo dado
por Marcel Proust, ao comer uma bolacha em um café, ao sentir seu gosto (um
estímulo presente), vem até ele memórias de sua cidade natal no campo e dos
chás com bolachas que tomava com uma tia doente.
Desse modo,
podemos dizer que Bergson nos propõe pensar o tempo como desdobrado: há um
tempo quantitativo, duro, da linha cronológica do passado-presente-futuro, útil
para nossa organização intelectiva e interação racional com o mundo; mas
podemos pensar em um outro tempo, um tempo da duração das mudanças
qualitativas, passagens de um estado a outro, transformações – crescer,
amadurecer, esverdear... Por exemplo, leva-se de quatro a seis meses para se
aprender natação, durante este tempo cronológico, em algum momento houve a
transformação de uma pessoa em um nadador. É o tempo de um acontecimento:
tornei-me nadador.
Fotos Antigsas de Bragança Paulista
Utilizar o
exemplo da aprendizagem aqui não é por acaso, mas sim porque essa ideia do
tempo nos faz encarar a aprendizagem como um processo ativo e intenso, onde nos
tornamos algo. Aprender não é um produto que adquirimos pronto e acabado, que
estaria presente em um livro ou com alguma pessoa com as quais entramos em
contato e adquirimos. Aprender seria operar uma transformação ao adquirir uma
novidade através de um processo, um processo que nunca cessa, porque o ideal é
nos tornarmos um 'eterno aprendiz'.
Qual a relação
do passado com o presente? Nossas memórias se debruçam sobre cada presente tudo
de uma vez. É a percepção de um dado presente que nos estimula a acessar uma
parte deste passado em geral. Em cada
presente, toda nossa memória está em vias de se atualizar, são os momentos presentes
que estimulam uma região ou outra do passado possibilitando o acesso a
determinada lembrança e não outra. A memória não é um sistema de classificação
e registro do que se passou, mas o arcabouço de onde tiramos relações com o
presente que estamos vivendo. A memória é 'viva' porque ela insiste
virtualmente em nosso presente, não somente porque ela está em nós, mas porque
ela cria elos com a decifração/interação com o presente. Como o exemplo dado
por Marcel Proust, ao comer uma bolacha em um café, ao sentir seu gosto (um
estímulo presente), vem até ele memórias de sua cidade natal no campo e dos
chás com bolachas que tomava com uma tia doente.
Desse modo,
podemos dizer que Bergson nos propõe pensar o tempo como desdobrado: há um
tempo quantitativo, duro, da linha cronológica do passado-presente-futuro, útil
para nossa organização intelectiva e interação racional com o mundo; mas
podemos pensar em um outro tempo, um tempo da duração das mudanças
qualitativas, passagens de um estado a outro, transformações – crescer,
amadurecer, esverdear... Por exemplo, leva-se de quatro a seis meses para se
aprender natação, durante este tempo cronológico, em algum momento houve a
transformação de uma pessoa em um nadador. É o tempo de um acontecimento:
tornei-me nadador.
Fotos Antigsas de Bragança Paulista |
Utilizar o
exemplo da aprendizagem aqui não é por acaso, mas sim porque essa ideia do
tempo nos faz encarar a aprendizagem como um processo ativo e intenso, onde nos
tornamos algo. Aprender não é um produto que adquirimos pronto e acabado, que
estaria presente em um livro ou com alguma pessoa com as quais entramos em
contato e adquirimos. Aprender seria operar uma transformação ao adquirir uma
novidade através de um processo, um processo que nunca cessa, porque o ideal é
nos tornarmos um 'eterno aprendiz'.
Consequentemente,
precisamos de um ambiente que possibilite o contato com o outro e com a
diversidade cultural, para alimentarmos essa aprendizagem infinita. A
coexistência das diferenças possibilita a eterna abertura para o outro. Dentro
dessa perspectiva, se torna necessário o princípio ético de construção do
espaço público como local de experimentação e aprendizagem para a convivência
com a diversidade.
Fatos e Fotos de Bragança Paulista
E assim chegamos
a reflexão sobre a relação da memória, da vida e da cidade. Um pedaço de nossas
experiências se dá em nossas cidades (às vezes vivemos em mais de uma cidade ao
longo da vida). As memórias-cidades nos co-habitam também, coexistem com tudo
aquilo que sentimos, pensamos, desejamos. Independente do que se diga o que é
patrimônio histórico, quais lugares ou práticas devem ser preservadas, as
cidades podem preencher nossas necessidades de experimentação da diversidade
cultural, e também preservar vivo o acesso ao antigo, possibilitando ao nosso
olhar aspectos passados acessados a partir de estímulos presentes. Andado pelas
ruas, sentido seus cheiros, ouvindo seus barulhos, reparando nos contornos
arquitetônicos dos prédios, vendo os limites do seu horizonte, podemos
intensificar memórias. A memória-viva-cidade é o espaço público como arcabouço
de experiências possíveis de estímulo a reflexão e ao olhar.
Consequentemente,
precisamos de um ambiente que possibilite o contato com o outro e com a
diversidade cultural, para alimentarmos essa aprendizagem infinita. A
coexistência das diferenças possibilita a eterna abertura para o outro. Dentro
dessa perspectiva, se torna necessário o princípio ético de construção do
espaço público como local de experimentação e aprendizagem para a convivência
com a diversidade.
Fatos e Fotos de Bragança Paulista |
E assim chegamos
a reflexão sobre a relação da memória, da vida e da cidade. Um pedaço de nossas
experiências se dá em nossas cidades (às vezes vivemos em mais de uma cidade ao
longo da vida). As memórias-cidades nos co-habitam também, coexistem com tudo
aquilo que sentimos, pensamos, desejamos. Independente do que se diga o que é
patrimônio histórico, quais lugares ou práticas devem ser preservadas, as
cidades podem preencher nossas necessidades de experimentação da diversidade
cultural, e também preservar vivo o acesso ao antigo, possibilitando ao nosso
olhar aspectos passados acessados a partir de estímulos presentes. Andado pelas
ruas, sentido seus cheiros, ouvindo seus barulhos, reparando nos contornos
arquitetônicos dos prédios, vendo os limites do seu horizonte, podemos
intensificar memórias. A memória-viva-cidade é o espaço público como arcabouço
de experiências possíveis de estímulo a reflexão e ao olhar.
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